Análise de formação da malha urbana

É importante analisar o crescimento e a distribuição da malha urbana de uma cidade, sobretudo no tocante à ação dos diversos atores envolvidos no processo de consolidação desta, para esclarecer a atual disposição sócio econômica e espacial. A partir desta análise é possível propor soluções para os diversos desafios enfrentados no município. 

Este ensaio objetiva realizar uma análise do desenvolvimento da malha urbana do município de Nova Esperança do Piriá, no estado do Pará, e como os diversos agentes sociais influenciaram a atual malha urbana da cidade.

O município de Nova Esperança do Piriá, com 20.158 habitantes (IBGE, 2010), fica localizado na microrregião Guamá, e na mesorregião Nordeste Paraense do estado do Pará (PARÁ, 1993, p. 07), nas coordenadas geográficas 2° 18’30” S e 46°49’3 W, sendo acessado, principalmente, pela PA-124. O centro urbano do município encontra-se na bacia do Rio Piriá, este, cortando a cidade no sentido Norte-Sul. Abaixo é possível ver o mapa da atual malha urbana de Nova Esperança do Piriá.


A Vila Piriá, como era conhecida antes da emancipação, teve início na década de 1970, quando as primeiras famílias começaram a se instalar na região e desenvolver atividades agrícolas (PARÁ, 1993, p. 08). Infelizmente, a pouca documentação história existente a respeito do município não permite afirmar se estas famílias compraram estas terras ou se eram posseiros, assim como não é possível saber que motivo os trouxe para a região. Os primeiros ramais de acesso à vila foram abertos por estas primeiras famílias. Aos poucos, mais famílias foram chegando à região e instalando onde hoje é a sede do município, por sua melhor posição geográfica, próxima as vias de acesso para os municípios mais desenvolvidos.

A Vila Piriá, no seu início, era, assim como a maioria das vilas existentes ainda hoje na região, formada apenas pela rua principal e as moradias. Abaixo encontra-se um mapa que representa a disposição desta rua principal.


Pertencendo ao território do município de Viseu, a Vila Piriá era assistida pelos municípios de Garrafão do Norte e Capitão Poço, e não por Viseu. Isso deveu-se, principalmente à distância, 300 km atravessando diversos municípios em estradas precárias, de Viseu até a Vila Piriá. À medida que crescia, a população demandava cada vez mais bens e serviços. Entregue à própria sorte pelo município sede, Viseu, Vila Piriá ficou dependente da sensibilidade dos prefeitos dos municípios vizinhos (PARÁ, 1993, p. 08-09).

Em 1991, em resposta ao anseio da população e depois da realização de todos os trâmites legais, o então governador do estado, Jader Barbalho, assinou a lei que emancipava o município de Nova Esperança do Piriá de sua sede, Viseu (PARÁ, 1993, p. 10).

Quando da sua emancipação, Nova Esperança do Piriá já possuía muitos povoados, destacando-se: São João do Coraci, Queimado, Castanheira, São Francisco, Água Preta e Novo Horizonte, este último o maior (PARÁ, 1993, p. 11). Estes povoados interligam-se ao município por meio de diversas estradas vicinais, que se tornaram vetores de expansão da malha urbana da cidade.

A base econômica do município era, e ainda é, formada pela agricultura e extrativismo vegetal. A agricultura é a base da renda da população rural, e parte da população urbana que trabalham em serviços que atendem o setor rural, como lojas de ferramentas, construção, feira, comércio exportador (compra a produção rural para levar aos municípios vizinhos), etc. Enquanto o extrativismo, na forma de madeireiras, responde por grande parte da renda da população urbana. Outra parte da renda urbana vem do funcionalismo público e do comércio e serviço local.

Observa-se, assim, que Nova Esperança do Piriá é um exemplo do povoamento da Amazônia, em que sempre predominou o espaço de fluxos: os núcleos nasceram, cresceram e continuam crescendo como ponto de apoio à circulação de matérias primas exportadas, de bens de produção e consumo importados, e da população. (BECKER, 2013 p45)

A localização geográfica da sede município foi um dos fatores mais determinantes na conformação da malha urbana. Esta, desde seu início, foi limitada a leste pelo Rio Piriá, limitação essa que, felizmente, foi respeitada e até hoje a malha urbana não avançou em direção à margem do rio, principalmente devido à extensa área de várzea existente.

Na direção oeste houve um desenvolvimento da malha urbana até que esta fosse limitada pelas serras existentes. Nos últimos anos a cidade vem expandindo-se sobre as serras, mas a grande dificuldade para obtenção de água tem mantido lenta essa expansão.

A norte, a existência de um igarapé também limitou a expansão da malha urbana. Assim, a rodovia PA-124, principal via de acesso ao município e escoamento de produção, por suas limitações geográficas, não se tornou um dos principais vetores de expansão da cidade.

A cidade, então, teve sua expansão seguindo a estrada vicinal que leva à vila do Novo Horizonte, na direção sul, e, posteriormente, cruzando o Rio Piriá e instalando-se ao longo das estradas que levam às vilas do Queimado e São João do Coraci, tendo como início o ponto onde há a bifurcação destas duas. Mais recentemente houve uma expansão na direção da vicinal que leva ao povoado o Água Preta.

Essas direções e limites de expansão são exibidos no mapa a seguir.

No interior do centro urbano, a circulação de pessoas ocorre dos diversos bairros para o bairro Centro, onde localizam-se a maioria das empresas e órgãos públicos, além das escolas. Destaca-se a circulação diferente no bairro Cidade Nova, que é direcionada à indústria madeireira.

A circulação de pessoas para fora do centro urbano se dá principalmente em direção às cidades vizinhas em busca, normalmente, de algum serviço não oferecido na cidade, como agências de determinados bancos, clínicas médicas, serviços de previdência social, etc. Nos fins de semana há também um grande fluxo de pessoas à área rural, tanto dos produtores rurais que vêm à cidade quanto dos citadinos que se dirigem aos sítios em busca de lazer.


A cidade é dividida em bairros, que podem ser vistos no próximo mapa, porém, sem legislação que determine os limites de cada um. Estes bairros são produtos de diversos atores, como o Estado, os proprietários de terras e os grupos sociais excluídos (pessoas que não possuem renda para pagar o aluguel de uma habitação decente e muito menos, comprar um imóvel (CORRÊA, 1989 p.29).


O Estado atuou, inicialmente, a partir do poder municipal, que comprou terras, loteou e doou, dessa forma foram criados os bairros Vila Nova, parte do bairro Centro, e parte do bairro Gurupilândia. Recentemente, numa tentativa de vencer o limite imposto pela serra ao leste, a prefeitura realizou um loteamento no topo desta, porém a dificuldade na obtenção de água ainda não permitiu a consolidação desse loteamento.

Houve também atuação do Estado através do INCRA, que construiu um assentamento urbano, originando o bairro Assentamento.

Também pode-se verificar a atuação do Estado, na forma do poder municipal, em conjunto com os grupos sociais excluídos. Esta ocorre a partir da invasão de terras por estes grupos, comumente terras nas adjacências do tecido urbano já consolidado. Em seguida, a prefeitura efetua a compra da terra para consolidar a ocupação. Assim foram criados os bairros Gurupilândia, Franklândia e Cidade Nova.

A atuação dos proprietários de terras se dá na forma de loteamento e venda de áreas nas adjacências da malha urbana, esses loteamentos são entregues sem nenhuma infraestrutura além do recorte das vias, cabendo à administração do município, futuramente, arcar com os custos dessa infraestrutura. Dessa forma criou-se parte do bairro Centro e, mais recentemente o Bairro Novo, Pirarucu e parte da Cidade Nova.

É importante notar que os bairros originados de invasões têm uma ocupação muito rápida, pois os excluídos, necessitando de moradias, logo constroem suas habitações a passam a residir nestas. Enquanto os bairros provindos de loteamentos têm muitos lotes comprados por pessoas que já tem moradia e esperam lucrar com a especulação imobiliária, fazendo com que leve mais tempo até que estes bairros estejam completamente ocupados.

É válido considerar também a atuação da indústria, pois a instalação de madeireiras ao longo da vicinal de acesso à São João do Coraci foi um fator determinante na expansão da cidade naquele vetor, ainda que a expansão em si tenha se dado a partir da invasão de terras pelo grupo dos excluídos, que têm preferência por habitação próxima ao local de trabalho.

Os promotores imobiliários, aqueles que realizam incorporação, financiamento, construção, etc. encontram dificuldades por não podem contar com a ajuda do Estado com créditos imobiliários, como os financiamentos de moradia pela Caixa Econômica Federal e o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, para tornar viável a construção de moradias para as camadas populares. Isto se deve ao não fornecimento dos Títulos de Posse dos terrenos urbanos por parte da prefeitura. Assim, esses promotores têm pouca influência na formação do espaço em Nova Esperança do Piriá.
O mapa a seguir demonstra a atuação desses diversos atores na formação da atual malha urbana do município.


Em relação à infraestrutura, a cidade não conta com abastecimento de água nem rede de esgoto. Há iluminação pública em todas as ruas. A pavimentação existe apenas nas principais ruas e nas ruas do centro comercial, e, infelizmente, não foi executada corretamente, não existindo meio fio e guia de drenagem, o que acarreta na deterioração da pavimentação quando da ocorrência do período chuvoso na região. A cidade conta com coleta de lixo que é realizada pela prefeitura em veículos improvisados, porém, não conta com um aterro sanitário regular, e o lixo é lançado a céu aberto numa área próxima à cidade.

Atualmente, em relação à saúde, a cidade conta com um hospital, um posto médico e uma unidade do SAMU. Quanto à educação, tem duas escolas de ensino médio, quatro de nível fundamental, duas creches e polos de faculdades na modalidade EAD, e possui também diversas escolas dispostas nos povoados rurais. A cidade possui também três praças públicas e um mercado municipal.

Os serviços bancários são providos por uma agência do Bradesco, diversas unidades do Bradesco Expresso, uma agência dos Correios e uma agência da Caixa Econômica Federal.

A segurança pública é realizada por uma unidade do PROPAZ. E a seguridade social conta com um prédio da Previdência Social, porém, este não entrou em funcionamento ainda, obrigando os usuários a deslocarem-se para as cidades vizinhas em busca de atendimento.

A seguir, um mapa com a disposição da infraestrutura e serviços disponíveis no município.


Em uma avaliação sócio econômica da cidade é possível notar que nos bairros centrais há predominância de maior renda, percebida, principalmente, pela qualidade das construções, qualidade que decai conforme estas afastam-se da área central da cidade. Assim, os bairros mais recentes, e também mais distantes, apresentam população mais pobre. A exceção é uma parte do bairro Assentamento que se vê ao longo da vicinal de acesso ao Queimado, onde lotes enormes como fundo para o Rio Piriá apresentam população de maior renda, atraída pela possibilidade de ter uma área de lazer com rio e próxima ao centro da cidade.

Em Nova Esperança do Piriá são encontradas as características que Becker encontrou na maioria das cidades da região amazônica:

A economia informal é dominante. A grande maioria da população urbana com emprego formal é constituída por funcionários públicos. A maior parte dos municípios não consegue nem arrecadar tributos necessários à sua existência, dependendo de repasses sobretudo da União. (BECKER, 2013, p. 46)

A expansão econômica da cidade pode ser observada tendo por base o “surto econômico” segundo a definição de Becker:

[...] pelo efeito igualmente multiplicador da substituição das importações, através de imitação ou improvisação, criando trabalho novo para suprir o mercado da cidade e gerando um crescimento explosivo, o chamado “surto econômico”. (BECKER, 2013, p. 19)

Assim, pode-se identificar como surto econômico a substituição da exportação de madeira em toras pelo beneficiamento, na cidade, promovido pelas recém-chegadas indústrias madeireiras. Porém, Bertha alerta que os surtos sempre acabam, e se seguem períodos de arrefecimento do crescimento, estagnação, ou mesmo declínio econômico em que o resultado é uma cidade relativamente estagnada, que não contribui mais para a expansão econômica (BECKER, 2013, p. 19).

Atualmente a escassez da madeira aumenta a distância e a dificuldade para obtenção de matéria-prima para as madeireiras e faz estas, aos poucos, abandonarem o município.

Sabendo da dependência da economia local em relação à indústria extrativista e do inevitável esgotamento da matéria-prima desta, é de crucial importância a elaboração de um plano de ação para guiar as ações públicas no sentido de criar novas formas de trabalho e evitar a completa estagnação da economia.

Nova Esperança do Piriá tem sido, desde sua criação, um importante centro econômico da região e deve ser alvo de estudos para ampliar a participação de outros setores na economia, estando assim, preparado para o declínio da indústria extrativista da madeira.

REFERÊNCIAS

BECKER, Bertha K. A urbe amazônica: a floresta e a cidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
BRASIL, IBGE. Censo demográfico 2010. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/1504950/pesquisa/43/2010. Acesso em: 05 abr. 2017.
CORRÊA, Roberto Lobato et al. O espaço urbano. Ática, 1989.
PARÁ.  Nova Esperança do Piriá. Belém: SEPLAN, 1993.  (Coleção Novos Municípios, 34)


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ENSAIO CRÍTICO - JAMISON FREITAS - MALHA URBANA

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